Quais os caminhos, possibilidades e reflexos quando pensamos em alimentação saudável no Brasil? Essa é a temática proposta para que milhares de estudantes elaborassem um texto dissertativo-argumentativo no Vestibular Uesb 2024 na prova de Redação, aplicada no primeiro dia do processo seletivo. Diante da temática, quais caminhos poderiam ser percorridos nessa discussão?
Segundo o professor Victor Lima, egresso do curso de Letras e mestre em Linguística pela Uesb, a escolha temática pode ser trabalhada por diversas lentes, como culturais, políticas e sociais. “A discussão sobre alimentação, ultimamente, está muito atrelada a questões de cuidado com o corpo e pressão estética, quando comida e sua produção atravessa fatores relacionados à luta de classes, Ecologia, Meio Ambiente, Reforma Agrária, informação, educação da população, cultura, soberania e poder”, pontua.
Para construção dos argumentos, Victor sinaliza pontos como “estratificação social, que faz com que a maior parte da população brasileira não consiga dar conta dos altos preços dos alimentos in natura, nas prateleiras dos mercados; a falta de incentivos fiscais à agricultura familiar e à Agroecologia; a desinformação por parte da população sobre como se dá a produção de alimentos e os valores nutricionais dos alimentos que consomem; a soberania alimentar e mais”.
Como parte do repertório, os candidatos poderiam trazer, ainda, a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), a liberação de mais de 2 mil tipos de agrotóxicos nos últimos anos, a luta do Movimento Sem Terra (MST) para o fortalecimento da agricultura familiar e saudável.
Mas é preciso estar atento para não fugir do tema ou tangenciá-lo. “Temas similares dentro de um eixo temático relativo à ‘Fome e Alimentação’ podem fazer os candidatos tangenciarem o tema. Soberania Alimentar é uma máxima dentro dessas duas propostas, por exemplo, contudo, uma boa estratégia para não fugir do tema é se atentar ao que os textos motivadores apresentaram sobre o que seria essa alimentação saudável”, alerta Victor.
Na prova, foram dados três textos motivadores. “O Texto 1 trouxe uma abordagem muito relacionada com o acesso socioeconômico, por parte da população brasileira mais geral, a uma alimentação mais energética. Já o Texto 2 é concernente a um aspecto mais educacional e informacional, ou seja, alerta para a necessidade de letramento da população para que os indivíduos sejam mais competentes no momento de escolher alimentos mais ou menos nutritivos. O Texto 3 é multimodal, com ilustrações, de modo a estabelecer um comparativo dos alimentos in natura, com os alimentos processados e industrializados”, explica o professor.
Importância de pensar a temática – O professor Ronaldo Vasconcelos, do curso de Zootecnia da Uesb, aponta sobre a importância e atualidade do tema, passando por duas questões muito significativas: a desvalorização da pequena propriedade e o processo de industrialização dos alimentos.
Sobre o primeiro aspecto ele afirma que a pequena e média propriedade são responsáveis por abastecer o país em mais de 85% daquilo que se consome na mesa da população. “Essa informação não é repassada para o brasileiro. Ele acha que o que ele come vem, exclusivamente, da indústria, e não é. É a pequena e a média propriedade que são nossas fontes alimentares. A grande propriedade é importante para o país porque ajuda a balancear as negociações internacionais. Mas, para alimentar a população, a força vem da agricultura familiar e da pequena propriedade”, argumenta.
No outro aspecto, está o processo severo da industrialização. “É praticamente impossível você adquirir qualquer produto no supermercado que venha das commodities, como o milho, que não seja transgênico e que não seja processado. A qualidade de um alimento base da população nordestina, como fubá, por exemplo, não tem a mesma qualidade nutricional de 30, 40 anos atrás. Esse material, além de ser transgênico, é ultraprocessado e retira dele quase todas as suas fontes lipídicas. O que há é uma massa seca, uma maçaroca, que serve para alimentar a população. E isso é resultado da industrialização de ultraprocessados”, exemplifica o pesquisador.
Renata Pithon, professora do curso de Medicina da Uesb, ressalta o aumento do preço dos alimentos in natura como um dos pontos importantes dessa discussão. “A população tem tido menos acesso a esses alimentos. Pesquisas apontam que tem aumentado, também, o preço dos alimentos processados e ultraprocessados, só que em proporção menor do que o aumento desses alimentos in natura. Então, é preciso existir um investimento em políticas fiscais, estratégias nutricionais para estimular esse consumo”, defende.
A professora ainda destaca a importância da temática no processo de conscientização dos jovens para alimentação saudável. “Foi muito oportuno a utilização desse tema, para se trazer esse questionamento e discussão justamente em uma população que tem uma alta predisposição ao consumo de alimentos processados, porque tem muitas atividades diárias, sem acesso a essa alimentação in natura, visto que são alimentos mais difíceis de serem preparados, demandam mais tempo”, aponta. Renata ainda alerta: “precisamos prevenir as doenças, porque a prevenção ainda é o melhor caminho do que o tratamento. Aparentemente, hoje não vai mudar muita coisa, mas vai prevenir doenças que estão levando a grandes níveis de mortalidade, que são as doenças crônicas e degenerativas”.