As cabras da Ilha de Abrolhos são consideradas um tesouro genético devido a adaptação a um ambiente com escassez de água doce
Vindas de uma ilha cercada de mistérios, 21 cabras desembarcaram na Uesb, em Itapetinga, trazendo consigo séculos de resistência, adaptação e genética que levantam muitos questionamentos pela ciência. Trazidas da Ilha de Abrolhos, esses animais, agora, são fonte de uma pesquisa desenvolvida, após o período de quarentena dos animais.
O que se descobriu até agora? Que as cabras possuem cinco variações de pelagem, duas de chifre, três de úbere e duas de perfil cranial. Apesar das diferenças, ainda não é possível afirmar que se trata de uma nova raça. Raça é um padrão político, conforme explica o pesquisador, professor Ronaldo Vasconcelos, do curso de Zootecnia. Segundo ele, não basta ter as características agora, elas precisam se perpetuar na descendência.
O estudo compreende na caracterização das cabras, seguindo o padrão morfológico universal, analisando cabeça, tronco e membros. “É avaliado o perfil da cabeça, a posição e o tamanho de chifres e orelhas, a coloração da pelagem, a estrutura corporal, a altura, o tamanho da cauda. Tudo isso é medido milimetricamente, porque essas características, sendo universais, definem o animal com um padrão. Se o animal passa a ter um padrão, pode ser uma raça”, explica o professor.
Segundo Ronaldo, o cuidado na formação dos grupos de reprodução é fundamental para evitar consanguinidade e garantir a preservação genética das cabras. “É um estudo muito minucioso, muito complexo. Em um ano, a gente vai ter algumas respostas mais concretas”, completa.
Outra observação feita durante a pesquisa é o tamanho reduzido dos animais, característica que pode ser explicada pela limitação geográfica da ilha e pela constante competição alimentar. “A competição alimentar pode ter sido uma realidade quase que constante para essas cabras, e isso termina ajudando a definir o padrão morfológico delas “, aponta Ronaldo.
Além do porte pequeno, a alta capacidade reprodutiva das cabras impressionou os pesquisadores. Algumas fêmeas estavam prenhas ao serem capturadas e, mesmo após o estresse do transporte, conseguiram levar gestações gemelares até o fim. “A maioria das cabras que vieram paridas tiveram partos gemelares. E as que pariram aqui também. Isso mostra que elas estavam muito bem adaptadas. O animal só potencializa a reprodução quando o ambiente favorece. É um dado muito interessante”, ressalta o professor.
A caracterização morfológica é importante para identificar a existência de uma nova raça
A habilidade materna também chamou atenção. “O que surpreendeu foi que elas passaram pelo estresse da captura, do transporte, poderiam ter abandonado as crias, secado o leite, e não fizeram isso. Isso mostra uma habilidade materna espetacular”, avalia.
Cada detalhe observado, por menor que seja, é importante para a construção de um estudo mais amplo sobre as variações genéticas e comportamentais desses animais únicos.
Cabras com mais de 200 anos de história – As cabras que hoje estão na Uesb são descendentes de animais deixados na Ilha de Abrolhos por navegadores durante o período colonial, há mais de 200 anos. Adaptadas a um ambiente sem fontes de água doce, elas representam um patrimônio genético valioso e raro. Por terem vivido isoladas, sem contato com doenças comuns ao continente, exigem cuidados sanitários rigorosos em seu manejo.