Em um ritual religioso, uma cena chamou a atenção: dez pessoas surdas dependiam do auxílio de um intérprete, enquanto o único ouvinte que observava. Ao acompanhar os instrumentos, se questionava sobre um jeito de tornar aquela experiência mais imersiva.
O som é um aspecto importante na imersão completa em diversas experiências. Isso inclui espetáculos, cinemas, shows e manifestações de fé. Nos rituais de religiões de matriz afro, para além da imersão, o som dos instrumentos representa uma conexão com o divino.
A partir desse incômodo nasceu a ideia de produzir um dispositivo inovador capaz de permitir que pessoas surdas sintam a música por meio de vibrações. “Estava numa gira e percebi que, entre dez surdos, só eu ouvia. Eles dependiam de um intérprete até para saber que havia música tocando. E aquilo me incomodou”, explica Igor Tairone, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais, Diversidade, Educação do Campo e da Cidade, e idealizador da pesquisa.
Ao conversar com membros da comunidade surda, o pesquisador percebeu a necessidade de se desenvolver algo que permitisse uma imersão mais completa na cerimônia religiosa. Com o apoio de parceiros de áreas diversas, a ideia ganhou corpo.
A equipe contou com o auxílio do babalorixá e professor da disciplina de Libras na Uesb Wermerson Silva, do doutorando em Educação Ricardo Alexandre Castro, orientando da professora Arlete Ramos dos Santos, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd). Além da colaboração dos irmãos do idealizador, o pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Yan Carlos Ramos dos Santos, e o engenheiro eletricista Jonatan Ramos.
O sistema é composto por um emissor, acoplado ao instrumento de percussão, como o atabaque, e um receptor com dois eletrodos. Esses eletrodos são fixados no braço da pessoa surda e vibram de acordo com a intensidade das batidas: um vibra para batidas fracas e o outro para batidas fortes. “Assim, conforme o atabaque é tocado, os surdos conseguem sentir na pele a variação rítmica da música. Isso cria uma ponte sensorial entre eles e o som do ritual”, explica Igor.
Para além dos dados, os resultados são subjetivos. “Na última vez que usamos o aparelho, um dos surdos estava com a cabeça baixa, dançando no ritmo do canto… foi emocionante ver a felicidade e a conexão dele com o ritual, sem depender de intérprete algum”, relata Igor.
Um novo sentido de inclusão – Esse projeto vai além da acessibilidade, ele reinventa a forma de inclusão. “A produção traz a palavra “inclusão” a outro patamar, conseguimos meio que “adicionar” mais um sentido no contato do surdo com o mundo. Agora ele pode sentir na pele a música, saber quando ela está tocando, quando está forte, fraca e se conectar mais energeticamente com o ambiente”, celebra Igor. Com o protótipo testado e validado, a equipe agora busca aperfeiçoar o dispositivo, melhorar sua resposta a diferentes sons, investir em novas peças e otimizar o desempenho.
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