Entre revistas em quadrinho, livros de Monteiro Lobato e, até mesmo, as histórias narradas em rodas de conversa, a paixão pela leitura surge na vida de muitas crianças. Foi assim com Ana Isabel Rocha e Adriana Abreu, mulheres que, desde muito cedo, encontraram na literatura uma forma de conhecimento, prazer e fala.
Professora aposentada pela Uesb, Ana Isabel Rocha afirma, com convicção: “o certo é que nunca fico um período, por menor que seja, sem que esteja lendo um livro de literatura. Nunca! E isso não é por obrigação e, sim, por intenso prazer”.
Com quatro livros publicados, Ana distingue bem suas paixões. A leitura é o prazer, o hábito, o vício, a mania incansável. A escrita já não é tão simples de definir, pois há momentos prazerosos e há momentos doloridos, de imersão na própria criação ficcional. “Costumo dizer que o instante processual de escrever literatura é meio esquizofrênico”, compara.
Por gostar de bons enredos, Ana definiu o romance como seu gênero de escrita literária, e já publicou os livros “Malva – um meio sorriso e um certo olhar”, “Heloísa – a do povo de Vicente” e “Carmela – uma história de amor”, além da coletânea de textos “Oração de cada dia”, que mistura poesia, reflexão e oração. “O hábito de ler literatura levou-me a escrever literatura. Não sou poeta. Contudo, busco salpicar poesia em minhas narrações”, confessa Ana.
Literatura como denúncia – Aos 9 anos, Adriana publicou sua primeira crônica em um jornal na cidade de Valença, interior do Rio de Janeiro. Depois veio a graduação em Letras e, de apaixonada pela leitura e escrita, ela se tornou a responsável pela formação de novos escritores ao lecionar sobre produção textual por anos em sua carreira de docente – que inclui suas vivências em salas da Uesb.
Hoje, Adriana se dedica às teorias literárias, com foco na crítica feminista e no trabalho de renomadas escritoras. A partir da leitura e pesquisa de mulheres das décadas de 80 e 90, ela afirma que a literatura é um espaço tanto de expressão pessoal, como de denúncia político-social. “A literatura é um espaço de denúncia. De denúncia do patriarcado, do sexismo, da dificuldade de ser escritora, de ser mulher, numa sociedade machista e misógina. Há muita literatura de quebra de paradigmas dessas mulheres”, conta.
Adriana lembra também o quanto é importante a presença de mulheres à frente das narrativas. “Sabe-se da mulher pelos homens. Mas, quando ela decide escrever, todos os preconceitos e todas as limitações que a sociedade impõe a elas [se rompem]”, pontua a estudiosa.
Espaço de resistência – Entusiasta das palavras, a professora Ester Maria de Figueiredo abraçou a literatura e foi além da sala de aula. Em 2016, ela esteve à frente da curadoria da primeira edição da Feira Literária de Mucugê, a Fligê, um dos maiores eventos da área na Bahia. “Estamos na quarta edição, entendendo a literatura como essa palavra de arte, como uma arma na perspectiva de transformação social e de criação de uma nova estética para a sociedade”, conta.
Pesquisadora nas áreas de Língua e Literatura, Ester lembra o quanto a presença da mulher nos círculos literários foi incessantemente negada em nossa história. “Antes da criação da Academia Brasileira de Letras, a gente já tinha a presença de escritoras que tinham esse objetivo. A Julia de Almeida é uma delas e não consta seu nome na lista de constituição da Academia. Essa invisibilidade é até maior porque Julia era casada com um escritor e consta o nome do esposo de Julia como um dos fundadores da Academia”, relata.
A história de Julia só foi revelada por meio de uma pesquisa publicada em 2017, um ano antes da 4ª edição da Fligê. O relato motivou a escolha de uma programação com forte presença feminina entre as convidadas, trazendo como mote central “Literatura e Resistência”. Ester lembra que essa negação pode ir além do gênero: “nesse conjunto de invisibilidades, além de ser mulher, você pode somar sim a ausência da mulher escritora indígena e negra, que se avoluma bem mais”.
Ana, Adriana, Ester e tantas outras mulheres apaixonadas pela literatura são a prova de que os caminhos de resistência e luta por direitos e por voz das mulheres podem ser percorridos nas palavras. “A literatura é uma fuga que a gente tem para enfrentar e resistir em muitas questões da vida cotidiana”, reforça Ester.