“Ser mulher no Brasil é desafiador, pois, nos são impostos, desde a vida intrauterina, um destino, uma cor (rosa), limites, forma, regras. E o cenário piora quando ousamos ser mulher e ser negra”. A declaração é da professora Letícia Azevedo, do Departamento de Ciências Humanas, Educação e Linguagem (DCHEL), que desenvolve pesquisas sobre estudos culturais e relações étnico-raciais.
A situação da mulher negra na sociedade, especialmente na brasileira, é um reflexo direto da forma como as camadas sociais são construídas. No Brasil, o racismo e a questão de gênero são os elementos que moldam a pirâmide social. Assim, segundo especialistas, a mulher negra se encontra na base dessa pirâmide.
“As implicações do racismo e do sexismo condenaram as mulheres negras a uma situação perversa e cruel de exclusão e marginalização social”, destaca a professora Marise de Santana, vinculada ao Departamento de Ciências Humanas e Letras (DCHL) e coordenadora de Pós-Graduação do Órgão de Educação e Relações Étnicas (Odeere) da Uesb.
A docente explica que os estudos sobre o feminismo deram origem a algumas preocupações no âmbito das relações étnicas, para além das desigualdades de gêneros. “As mulheres passam a ser pensadas a partir de variáveis que indicam histórias de subalternização para se adequarem a uma sociedade ocidental branca, cristã e heterossexual, em espaços domésticos e profissionais”, comenta.
Dentro de uma sociedade com valores e padrões historicamente hegemônicos, os desafios das mulheres negras são ainda maiores, pois, elas estão em situações mais vulneráveis. De acordo com Marise de Santana, as vulnerabilidades são de diversas ordens, como: uma maior possibilidade de ser vítima de homicídio em relação à mulher branca; um maior índice de analfabetismo entre as mulheres negras; e até um maior número de ocupação em postos de trabalho mais precarizados.
Diante desse quadro, segundo a docente, “o caminho é pensar sobre políticas que reafirmem a identidade de mulheres que historicamente foram estupradas por seus senhores, mulheres que foram desprovidas de gênero e da sua ideologia de feminilidade pelo regime escravista. Mulheres que deixam seus filhos para criar os filhos de outras mulheres, mulheres que sofrem violências simbólicas físicas e não físicas todos os dias”.
Já para a professa Letícia Azevedo, é muito importante o fomento de políticas públicas não somente de inclusão, mas de permanência da mulher negra em seus espaços. “Nascemos em uma sociedade de brancos, estudamos em uma escola de brancos, somos inclinadas a religião dos brancos, somos forçadas a assumir uma máscara identitária branca e, só posteriormente, a duras penas, conquistamos a liberdade de nos constituirmos negras. Ser mulher negra não mais na senzala, ou na cama do senhorzinho, não mais submissa aos padrões (eurocêntricos) e tabus, mas, ser mulher negra no universo”, reforça.
Educar para resistir – Além de apresentar e debater dados que envolvem as questões de gênero e da mulher negra, a educação é uma das principais ferramentas para dissipar a ideologia da supremacia masculina/branca. Assim, um dos caminhos para enfrentar as discriminações raciais e étnicas das mulheres negras é criar formas educativas que envolvam mídia, escola, organizações sociais e universidade, para que aprendam/ensinem sobre as lutas e o papel social da mulher negra nos movimentos sociais e feministas.
“É papel da Universidade possibilitar processos educativos através de cursos, conforme vem fazendo a Uesb, por meio do Odeere, por exemplo, para engendrar formas de resistências”, lembra a professora Marise Santana.
Assim, para Letícia Azevedo, além de coragem, resiliência, coletividade e luta, é fundamental conhecimento. Por isso, é importante promover uma universidade que reconheça, respeite e valorize a identidade da mulher negra. “Não cabe mais sermos submissas às instituições sociais que forjam o nosso existir mulher”, conclui a docente.