Reverenciar e reconhecer o saber produzido por comunidades e pessoas que não possuem uma formação universitária, mas que detém vasto conhecimento. Essa foi a abordagem central da conferência de abertura da 1ª edição do Festival Cultural de Cenas Curtas da Uesb, que busca valorizar a chamada sabedoria popular e a produção artístico-cultural. Com o tema “O encontro de saberes: o acadêmico e o popular”, professores e mestres do saber trocaram experiências e compartilharam o conhecimento adquirido nessa integração de saberes no processo educacional.
A chegada dos ensinamentos das tradições de comunidades étnicas, quilombolas e indígenas nas salas de aula de instituições, desde a Educação Básica até o Ensino Superior, abriu as portas para a disseminação do conhecimento tradicional. Na abertura do Festival, o professor José Jorge Carvalho, da Universidade de Brasília (UnB), relatou as experiências vividas nesse processo de inserção de disciplinas ministradas, na UnB e em outras instituições do país, por representantes de cada um destes povos em um ambiente que, anteriormente, era fechado para a importância dos saberes originários. “Muitas universidades estão fazendo os processos de titulação dos mestres, que seria uma forma de enraizar o que lá atrás chamamos de Encontro de Saberes. Nós já tivemos 161 mestres (dos saberes) dando aula de várias disciplinas, do Norte ao Rio Grande do Sul”, pontuou o docente.
Inspiração e contribuição popular – Egressa do Mestrado em Letras: Cultura, Educação e Linguagens da Uesb, a professora Elizabete Tâmara Galvão compartilhou o resultado da sua dissertação de mestrado, desenvolvida a partir do trabalho realizado por outro participante da conferência, o professor Moisés Cândido da Silva, conhecido como “Zezinho”. A professora pesquisou sobre o trabalho que o mestre dos saberes realiza na Comunidade Rural Quilombola do Rio das Rãs, em Bom Jesus da Lapa, na Bahia. “Foi a partir de um material digital, um DVD, que eu pude desenvolver a pesquisa de mestrado e, então, trabalhar diferentes percepções das expressões musicais tradicionais e entender como esses saberes ancestrais quilombolas podem transformar realidades e podem guardar informações que são importantíssimas”, esclareceu.
Inspiração para Galvão, Zezinho revelou que encontrou nos estudos uma formação de resistência. “Meu foco, desde criança, era atender meu povo, que estava sofrendo com a questão da terra, a invasão dos grileiros. Então, busquei fazer as formações que tenho hoje. Meu interesse em aprender para depois ensinar meus alunos foi sempre para ver o povo do quilombo sabendo ler e escrever”, relatou.
A visão do saber que é transmitido pelos índios também foi abordada na conferência. O mestre dos saberes Gilvandro Oliveira, descendente indígena Mongoió e ceramista na Comunidade de Batalha, entende que o saber científico anda lado a lado com o saber popular. Segundo ele, essa descoberta se deu através dos livros didáticos: “quando eu fui para a cidade e passei a ter contato com os livros de história, as imagens, eu passei a produzir alguns trabalhos daquelas páginas. O primeiro que fiz foi um busto de Sócrates”.
Mediadora da conferência, a professora Rita de Cássia Mendes, do Departamento de História da Uesb, também contribuiu com a temática ao mencionar que não é necessária a formação acadêmica para se fazer mestre. “Todas as pessoas que aqui falaram têm plena capacidade, nos seus campos específicos de formação e de atuação, não necessariamente acadêmica, de expor sobre as demandas que são próprias aos seus grupos de origem, sejam os grupos étnicos, sociais, religiosos”, afirmou.
Solenidade oficial – Antes da conferência de abertura, o Festival Cultural de Cenas Curtas da Uesb contou com a participação de representantes da Universidade. O professor Luiz Otávio de Magalhães, reitor da Uesb, destacou a importância da realização do evento envolvendo atividades artísticas. “Temos uma preocupação no sentido de reafirmarmos a arte como parte indispensável da própria formação do indivíduo e, também, na consecução dos objetivos da educação”, defendeu.
Além de recepcionar os estudantes e colegas, a professora Gleide Pinheiro, pró-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários, falou da alegria em compartilhar de um momento que foi pensado e planejado desde 2019 e interrompido pela pandemia. “Acredito que a realização de eventos como este busca, também, demarcar o espaço de promoção da cultura como espaço de resistência. Resistência à redução de financiamento da cultura que é praticada de forma deliberada em nosso país, resistência ao autoritarismo, resistência à intolerância e, também, resistência ao negacionismo”. Sobre o tema da conferência, a professora comentou: “A troca de saberes é a essência da Extensão em Instituições de Ensino Superior. As ações extensionistas deveriam ser fundamentadas na interação saber acadêmico e saber popular”, lembrou a gestora.
Realizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Proex), pela Assessoria de Acesso, Permanência Estudantil e Ações Afirmativas (Aapa) e pela Assessoria de Comunicação (Ascom), o Festival Cultural de Cenas Curtas da Uesb acontece até o dia 11 de dezembro. A programação inclui mesas-redondas, oficinas criativas, exibição de cenas curtas e a apresentação musical do cantor e compositor Russo Passapusso. Confira aqui a programação completa.
Semana de Integração – Tradicional evento de recepção dos novos alunos de graduação dos três campi, neste período letivo, a Semana acontece em parceria com o Festival. “Nosso objetivo é fazer uma recepção mais calorosa, mais afetiva aos alunos ingressantes, além de criar um espaço para prepará-los para os desafios que eles vão enfrentar e disponibilizar as informações sobre os tipos de apoio e auxílio que eles podem receber por parte da administração no percurso acadêmico”, afirmou a professora Selma Matos, assessora da Aapa.
Além da programação do Festival, a Semana de Integração realizou nessa terça, 7, o encontro de acolhimento, de forma virtual, com os novos ingressantes. Uma roda roda de conversa com indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência ainda está programada para esta sexta, 10.