“No dia 18 de março, precisamente, eu saí da Uesb apenas com minha bolsa, para retornar no dia seguinte. Mas, no dia seguinte, estava tudo fechado”. A lembrança da psicóloga Vilma Maria Gonçalves é também de quase toda a comunidade acadêmica que, com o decreto do Governo do Estado de 19 de março de 2020, não voltou à Universidade. Na época, com quase 30 casos do novo coronavírus confirmados na Bahia, o documento restringia a circulação entre as cidades baianas e autorizava a mobilização dos órgãos estaduais, para a aplicação de medidas que visassem à proteção da população.
Começava ali um período de incertezas e a quarentena, sem prazo definido. Enquanto a expectativa era de que, em poucos dias, a rotina retornasse ao normal, a Uesb buscou, de imediato, evitar aglomerações e o deslocamento das pessoas que estudam e trabalham na Instituição. Como cada uma dessas pessoas reagiu às medidas de distanciamento? Quais os impactos para a saúde mental depois de um ano e meio de pandemia?
São respostas que, aos poucos, estão sendo compreendidas por cada um, sobretudo pela área da Psicologia. “Sabemos que, durante esse tempo, tantas coisas aconteceram e ainda estão acontecendo, muitas famílias perderam entes queridos, pessoas muito próximas. O que eu percebo é que está acontecendo uma fadiga pandêmica”, define Vilma. Ela atua como psicóloga clínica e organizacional na Uesb, há quase dez anos, e destaca que os atendimentos nesse período têm mostrado as atividades remotas, acadêmicas ou laborais, como responsáveis pelo desenho de um novo cenário. “Houve uma mudança drástica dentro das casas, para que elas fossem adaptadas para escritórios ou salas de aula, e as pessoas não estão sabendo administrar essa questão”, pontua.
O professor do curso de Psicologia da Universidade, Daniel Drummond, lembra que o contexto de insegurança e instabilidade econômica e política também tem sido um desafio para todos. Além disso, o período evidencia aspectos próprios de cada pessoa. “Nós já temos muitas questões psicológicas que nos acompanham no dia a dia e algumas delas acabam mais acirradas e chamando mais atenção nesse momento”, expõe o docente e psicólogo.
Pesquisador e coautor do livro “Plantão Psicológico: novos horizontes”, Daniel destaca a importância de espaços de escuta para cada um e suas especificidades. “Todos têm dificuldades com algum aspecto da vida, das relações. O importante é a gente se dar conta de que isso não significa que, necessariamente, vai se transformar em um grande transtorno mental, mas que, pra isso mesmo, a gente precisa se cuidar”, defende o professor.
Alternativas da rotina acadêmica – Entre as possibilidades de atenção à Saúde Mental, estão os atendimentos em formato de plantão. Nessa modalidade, a pessoa pode buscar ajuda no momento em que sentir necessidade e não tem a obrigatoriedade de voltar, mas pode marcar novas sessões, se desejar. O Plantão Psicológico faz parte dos atendimentos do Núcleo de Práticas Psicológicas da Uesb (Nuppsi), desde a sua implantação, há cinco anos. Ofertando os serviços de psicoterapia, psicodiagnóstico, psicoterapia em grupo e com a participação de residentes de Psiquiatria, o Nuppsi integra a rede de cuidados com a Saúde Mental da população de Vitória da Conquista e região.
Somente no Plantão Psicológico, mais de 3200 pessoas já foram acolhidas, totalizando cerca de 5000 atendimentos. A partir da experiência de coordenar o Plantão Psicológico até o semestre letivo 2020.1, o professor Daniel Drummond explica como foi se adaptar à nova realidade, desde que, ainda em março de 2020, o Conselho Federal de Psicologia orientou não só os profissionais, mas também os estagiários, para o atendimento on-line.
“Apesar dos atendimentos remotos já serem uma prática aceita pelo Conselho, até então não se permitia que os estudantes fizessem atendimentos on-line”, revela. Para o psicólogo que orientou e supervisionou os alunos nesses procedimentos, a vivência foi muito válida, tanto do ponto de vista acadêmico quanto profissional. “Dificulta o acesso para algumas pessoas que não têm o equipamento, mas, por outro lado, também facilita para que pessoas de vários locais não precisem se deslocar para ter o atendimento psicológico”, reflete o professor.
Novas ideias – Ultrapassando as barreiras regionais, também em março de 2020, uma iniciativa dos alunos Adriana Vespasiana, Edisio Luz e Joyce Prates propôs um espaço virtual de acolhimento e escuta psicológica, em formato de plantão, que chegou a realizar atendimentos com pessoas de todo o país. O “Psicologia em link: viralize o cuidar de si” surgiu com o intuito de oferecer suporte para estudantes, que, como os idealizadores, estavam vivenciando a necessidade do isolamento social. Contudo, já no mês seguinte da sua implantação, o projeto foi ampliado e chegou ao fim de dez meses com mais de 700 atendimentos realizados.
“Nós, como alunos, também tivemos que reinventar nossa prática. Os processos de estágio, de extensão, a pesquisa e, especificamente, os atendimentos”, analisa um dos idealizadores do “Psicologia em link”, Edisio Luz. “O projeto surgiu nesse período e é uma possibilidade de reinvenção da própria Psicologia, apesar desse cenário caótico”, complementa o estudante que, agora, está no nono semestre do curso.
Segundo ele, atuar como estagiário e monitor extensionista funcionou como um sentido em meio ao turbilhão em que todos se viram. “Quando me perguntam os desafios, as possibilidades e as nossas lições, pra mim, tudo isso está muito junto. Os desafios no nível acadêmico, como estudante de Psicologia, são as mesmas questões que me fizeram pensar que o meu trabalho poderia ser útil às outras pessoas”, pondera o futuro psicólogo.
Edísio Luz chama a atenção, ainda, para como o cenário de crise levou a humanidade a repensar as suas singularidades, condições materiais e a saúde de forma integral. “Uma pandemia, que é terrível, fez a gente olhar de forma diferente para o nosso processo formativo, incluindo as tecnologias de informação e comunicação”, exemplifica. Para lidar com essa realidade, o estudante deixa o alerta: “se eu tivesse que dar uma recomendação seria de que as pessoas possam reconhecer os seus desejos e suas inclinações e procurem mais sobre isso, do que realmente gostam”.
Atualmente, o “Psicologia em link” retomou o formato original e, em parceria com a Assessoria de Acesso, Permanência e Ações Afirmativas da Uesb, oferta atendimento psicológico on-line para estudantes dos três campi. O cuidado com a Saúde Mental da comunidade externa fica por conta do Plantão Psicológico, que ainda funciona de forma remota.
Você pode conferir o bate-papo completo com os três convidados no quinto episódio do podcast “Com a Palavra – As vivências universitárias durante a pandemia”.