Quando pensa em conhecimento sobre saúde, qual imagem vem à sua cabeça? É provável que sua mente pense em laboratórios sofisticados, tubos de ensaio e ambientes estéreis. Mas este conhecimento nasce em um ambiente muito mais próximo e ancestral: as farmácias vivas presentes em hortas comunitárias e pessoais.
Foi pensando nesse conhecimento passado de geração para geração nas comunidades quilombolas que a pesquisa “Percepção de idosos vivendo em remanescentes dos antigos quilombos acerca das medicinas tradicionais” buscou investigar como os idosos de comunidades quilombolas percebem as Práticas Integrativas e Complementares de Saúde, explorando suas opiniões sobre os tratamentos tradicionais e o potencial de integrar essas práticas ao sistema formal de saúde.
O estudo foi realizado por mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde (PPGES) e do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade (PGMLS) da Uesb, orientado pelos professores Luciana Araújo dos Reis e Ismar Eduardo Martini Filho. Por meio de entrevistas semiestruturadas com 32 idosos de três comunidades quilombolas de Vitória da Conquista: São Joaquim de Paulo, Barrocas e Boqueirão, a pesquisa, de abordagem qualitativa e descritiva compilou e analisou os dados coletados revelando como essas práticas são valorizadas por essa população e como podem enriquecer a assistência em saúde.
No percurso da pesquisa, os principais desafios para a realização do estudo incluíram o difícil acesso às comunidades, devido à precariedade das estradas, além da coleta das memórias dos idosos para obtenção de informações. “Essas comunidades mostram um profundo respeito por seus saberes ancestrais, e os idosos expressaram o desejo de ver essas práticas integradas ao sistema de saúde”, destacou Gisele Leles, pesquisadora do PPGES.
Os resultados da pesquisa apontaram que os idosos apresentam uma forte confiança nas práticas tradicionais, como os remédios caseiros e o uso de plantas medicinais. “Eles têm grande confiança em remédios caseiros e plantas medicinais, como chás e ervas que cultivam em seus próprios quintais. Além da tradição, essa preferência se baseia em preocupações com medicamentos farmacêuticos e na percepção de que as plantas são eficazes e acessíveis”, destaca Gisele.
Embora as plantas e remédios caseiros sejam parte fundamental da vida cotidiana nas comunidades, há um desejo claro de que o sistema de saúde reconheça e se abra para essas práticas, garantindo que elas possam coexistir com a medicina moderna de forma mais integrada e respeitosa.
Além disso, a pesquisa identificou a importância da transmissão de conhecimentos familiares, que assegura a continuidade das práticas de saúde e fortalece a identidade cultural. “Valorizar as práticas tradicionais nessas comunidades fortalece a identidade cultural quilombola, preservando conhecimentos transmitidos por gerações e ampliando o sentimento de pertencimento e orgulho ancestral”, pontua Gisele.
Os pesquisadores apontaram também que observaram uma participação masculina marcante nas práticas de saúde familiar, o que reflete as dinâmicas culturais específicas dessas comunidades e reforça a identidade e a coesão comunitária. O estudo propõe ainda que integrar saberes ancestrais ao sistema de saúde pode não só melhorar a qualidade da assistência, mas também fortalecer a identidade e o senso de pertencimento das comunidades quilombolas.