No último dia 6 de dezembro, faleceu dona Silvina Pereira Santos, aos 96 anos, que deixou um legado e um exemplo a ser seguido. Como entusiasta da leitura, sempre incentivou crianças, jovens, adultos e idosos a buscarem a aquisição de saberes por meio da leitura dos livros e da vida. “Eu morava na areia, sereia, me mudei para o sertão, sereia, aprendi a namorar, sereia, com um aperto de mão, oh sereia”. Cantigas de roda como essa faziam parte do repertório de Silvina Pereira Santos, entoadas às margens do Rio Catolé, em Itapetinga, enquanto exercia sua atividade como lavadeira e, assim, sustentava os cinco filhos como mãe solo.
Com uma voz forte e ativa, sempre se dispôs a representar a minoria em diversos espaços, lutando pela melhoria da qualidade de vida da população itapetinguense mais carente. Nesse sentido, cuidava dos tuberculosos, garantindo alimentação e medicação, em uma época em que a assistência social e saúde não eram atuantes na cidade. Por conta da sua participação influente na sociedade e nas ações desenvolvidas pela Igreja Católica, em 1992, Dona Silvina foi convidada a colaborar com o Grupo de Trabalho do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), que havia sido recém-criado pela Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e chegou ao Sudoeste baiano por meio da Uesb.
De acordo com Manoel Neto, egresso do curso de Pedagogia da Uesb e assessor especial para Assuntos Educacionais da Secretaria de Educação de Itapetinga, que participou da implantação do Proler no município, dona Silvina esteve presente na primeira ação do programa. Na ocasião, o professor Celso Sisto ministrou uma oficina de contadores de histórias, onde ela se destacou por usar oralidade e cantigas de roda. “Daí em diante, ela participou, integralmente, de todas as ações do Proler que duraram quase três décadas, estando presente em escolas, associações, universidade, bibliotecas, dentre outros espaços falando da importância da leitura do livro e da vida”, relembra Manoel.
O Proler na Uesb, campus de Itapetinga, coordenado pela professora Helena Ribeiro, foi muito ativo e realizava muitas ações em Itapetinga e no Sudoeste baiano, como a Sala de Leitura, o grupo de contadores de histórias, o cinema itinerante, além dos encontros anuais de leitura que reuniam escritores e intelectuais de todo país, e lá estava dona Silvina, participando de forma dinâmica. “Era de se admirar como uma mulher, semianalfabeta, conseguia compreender a importância da leitura na formação do cidadão. Ela chegava com facilidade em todos os públicos, falava para crianças, jovens, adultos e idosos. Seu discurso era contundente. Ela era a própria leitura”, salienta Manoel.
Ainda conforme Manoel, dona Silvina fez viagens pelo Proler, participando de vários encontros do Programa no Rio de Janeiro. “Em um desses eventos, foi condecorada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e, em seu discurso, o reitor da época fez questão de dizer que aquela comenda era ofertada apenas às grandes autoridades que passavam por lá. Em sua justificativa, exaltou o poder da oralidade de dona Silvina e sua importância ao resgatar as cantigas de rodas, prática pouco conhecida pela geração atual”, destaca. Apesar do seu amor pela leitura, dona Silvina só foi alfabetizada aos 70 anos de idade, por um programa de alfabetização da Uesb. Nesse projeto, ela buscava ativamente por outros idosos, incentivando-os a participar falando da importância de aprenderem a escrever o próprio nome.
Reconhecimento – Em homenagem há quase 30 anos de dedicação de dona Silvina ao programa, em 2010, a Uesb inaugurou a Sala de Leitura do Proler e o espaço recebeu o nome de Silvina Pereira. A última homenagem que dona Silvina recebeu em vida foi durante a primeira edição da Feira Literária de Itapetinga (Flita). Em seu discurso, o professor Luciano Lima, da Coordenação de Extensão, Esporte e Cultura (Ceec), exaltou, de forma poética, a importância dos seus feitos.
“A busca pela liberdade artística, da mulher negra, pobre, mãe, avó, bisavó, lavadeira e contadora de histórias. Para ela ‘lava, lava lavadeira, quanto mais lava mais cheira. Lava, lava, lavadeira quanto mais lava mais cheira’. Porque não valorizar também a palavra construída poeticamente a partir da roupa lavada entre cânticos e cantigas na beira do rio e do esfregão do sabão massa, artesanalmente preparado e ritualisticamente manuseado em histórias lavradas enquanto os poemas são tecidos lavados na pedra do rio. Dona Silvina Pereira dos Santos, a lavadeira, escritora da oralidade”.