A doença celíaca é autoimune e afeta o intestino delgado de indivíduos geneticamente predispostos, quando expostos a ingestão de alimentos que contêm glúten. Ela impacta na qualidade de vida dos indivíduos e está associada ao maior risco de mortalidade. Atualmente, a dieta isenta de glúten é o único tratamento eficaz para pessoas com doença celíaca.
Entretanto, fatores como a disponibilidade, custo e qualidade nutricional têm influenciado negativamente na manutenção da dieta isenta de glúten em diversos países. No Brasil, a escassez de informações sobre a relação custo econômico e qualidade nutricional desses produtos apontam a necessidade de incursões sobre o tema.
A fim de analisar e comparar a composição nutricional e o custo dos produtos alimentícios com e sem glúten, a pesquisadora Luce Alves da Silva desenvolveu a dissertação “Plataformas de e-commerce no Brasil: uma visão da atualidade e apontamentos para o futuro através de análise comparativa entre o custo econômico e qualidade nutricional de produtos para pessoas com doença celíaca”, no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência de Alimentos, campus de Itapetinga.
A pesquisa evidenciou que, no Brasil, os produtos sem glúten apresentam menor teor calórico (5% a 35%), de carboidratos (1% a 13%), gorduras totais (10% a 140%), proteína (35% a 192%) e fibras (11% a 94%), para a maioria das categorias analisadas. Além disso, o preço final ao consumidor chega ser até 110% mais caro quando comparado com as versões com glúten do mesmo produto, em todas as categorias analisadas.
Como a pesquisa foi realizada – Os dados coletados referente a cada produto foram: custo (convertido em euros), peso líquido do produto (em gramas) e informação nutricional (porção, valor energético, carboidrato, proteína, gorduras totais, gordura saturada, gordura trans, colesterol, fibras e sódio).
O material foi categorizado em quatro grupos de produtos nas versões com e sem glúten: mistura para assar (mistura para bolo, mistura para pães, mistura para tortas, misturas para purês e mistura para sobremesas), pão e produtos de panificação (pães em todas suas formas, torradas e panetone), massas e produtos de cereais (macarrão em diversos formatos, massa para lasanha, cereais matinais) e biscoitos e bolos (biscoitos, recheados ou não, e bolos em diversos formatos e prontos para consumo).
Qualidade nutricional – Os conteúdos demonstram uma melhor qualidade nutricional dos produtos sem glúten em relação ao valor calórico, carboidrato, gordura e sódio, para a maioria das 25 categorias analisadas, o que, segundo a pesquisadora, vem a ser benéfico, uma vez que os consumidores associam produtos sem glúten à alimentação saudável. Entretanto, ela ressalta que o teor de proteína e fibras de grande parte dos produtos sem glúten analisados foi inferior quando comparado aos produtos contendo glúten.
“Embora os produtos sem glúten não possuam a alegação de serem fontes de proteínas, a retirada de ingredientes contendo glúten altera a percepção sensorial, o que indica que a indústria de alimentos necessita avançar em seus estudos de avaliação de propriedades tecnológicas e desenvolvimento de novos produtos”, revela a pesquisadora, alertando que essa retirada pode trazer riscos de inadequação nutricional a pessoas com doença celíaca.
Os dados desse estudo apontam para a necessidade de as indústrias de alimentos desenvolverem estratégias de enriquecimento de produtos sem glúten visando a oferta de produtos com melhor aporte de fibras e proteína, sem onerar o preço final ao consumidor. “Uma alternativa seria a utilização de co-produtos agroindustriais (conhecidos também como resíduos agroindustriais) no desenvolvimento desses produtos, a fim de agregar valor nutricional e não onerar o custo final ao consumidor”, aponta.
Custos – Na pesquisa, as versões sem glúten de todos os grupos de produtos apresentaram a média de custo superior quando comparado as suas versões tradicionais com glúten, sendo a menor diferença na categoria “mistura para assar” (39%) e a maior diferença na categoria na categoria “Biscoitos e Bolos” (110%).
O acréscimo no valor final ao consumidor pode ser explicado, em parte, pela substituição de ingredientes contendo glúten por outros cereais que possuem o custo superior ao trigo. “Os dados desse estudo demonstram o ônus de uma dieta isenta de glúten no Brasil, sugere um maior comprometimento da renda quando comparado a outros países e sinaliza um possível comprometimento na aquisição de alimentos sem glúten ou de outras necessidades por pessoas que precisam de uma dieta restrita de glúten”, explica Luce.