Não existe modernidade sem tecnologia. Mas, o acesso a esse conjunto de técnicas, habilidades, métodos e processos não é homogêneo. A tecnologia faz parte de histórias que ainda não são regras, e algumas delas só são possíveis graças ao Ensino Superior público no interior.
Duas dessas histórias são protagonizadas por Roque Trindade e Thamiris Gomes, naturais do Sudoeste da Bahia. Ele precisava conciliar a rotina de trabalho com estudos. Ela já enfrentava o desafio de uma área ainda rotulada como masculina. Hoje, doutor em Engenharia Elétrica e da Computação, ele é professor da Uesb; e ela, mestre em Ciência da Computação, é engenheira de Qualidade de Software senior em uma empresa multinacional.
Matemática: caminho para tecnologia – A Uesb entrou na história de Roque há quase 30 anos. A escolha pelo curso se baseou na possibilidade de estudar à noite, já que precisava trabalhar para sustentar a família. Foi assim que Administração se tornou a primeira opção, mesmo sendo distante do grande interesse pela Matemática. Porém, a convocação, em segunda chamada, para Ciências com habilitação em Matemática, curso escolhido como segunda opção, o surpreendeu e deu início à sua jornada. “Era como ter acertado na loteria, exceto que o prêmio teria que ser conquistado a cada disciplina, a cada semestre e assim o foi”, conta o professor emocionado.
Ainda no início do curso, ele passou a dar aulas de reforço das disciplinas de Exatas e já no terceiro semestre ingressou no estágio. Logo teve que abandoná-lo, no entanto, por conta de mais um importante passo: a aprovação em seu primeiro concurso. Desde então, somaram-se outras quatro aprovações em concursos públicos. Entre elas, a de servidor da Uesb, no mesmo período em que ingressou na primeira turma de Ciência da Computação também na Universidade.
Roque ainda cursou, na época, o Mestrado Interinstitucional em Ciência da Computação, fruto de uma parceria da Uesb com a Universidade Federal de Pernambuco. Com o mestrado, ele realizou o feito de se tornar professor e aluno, ao passar no concurso que permitia candidatos com formação em áreas afins.
“Acredito que a Computação é uma manifestação da Matemática”, define. Pensando assim, o professor trilha até hoje seus caminhos na Uesb, desenvolvendo trabalhos com Matemática Avançada, Robótica Educativa e Automação, e possibilitando que outros jovens do Sudoeste baiano, como ele, tenham acesso ao conhecimento. “A tecnologia é fascinante, é sedutora. Quando eu defendo uma universidade pública, gratuita e de qualidade, eu estou defendendo a mim mesmo e a minha própria história”.
Tecnologia é coisa de mulher – A ideia de não pertencimento de algumas pessoas em determinados espaços, seja por gênero, raça ou classe social, é um desafio constante para quem se encontra nesse lugar. “Me sentia desconfortável em ver apenas três mulheres na minha turma, poucas mulheres nos congressos e workshops, quase nunca havia mulheres como palestrantes”, conta Thamiris, que iniciou a graduação em 2007, na segunda turma do curso de Sistemas de Informação da Uesb.
Segundo ela, mesmo após concluir a graduação, esse cenário persiste. “É muito comum ser a única mulher dentro de uma equipe e, quando os homens sentiam alguma dificuldade para desenvolver suas atividades, eles perguntarem a outros homens, mesmo tendo conhecimento da minha experiência profissional”, comenta. Ainda assim, a insistência de Thamiris por alçar voos cada vez mais altos a levou longe. “Eu consegui aproveitar muitas oportunidades que a universidade nos proporciona”, lembra ao enumerar suas experiências além da sala de aula, tanto na pesquisa quanto na extensão.
Mas, foi o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Informática da Uesb, onde foi bolsista por dois anos, que a preparou profissionalmente, como ela mesmo define. “Foi onde iniciei minha experiência em todo processo de desenvolvimento de software, trabalhando e conhecendo diferentes tecnologias, e, sem dúvidas, foi o diferencial para entrar no exigente mercado de trabalho”.
Agora, Thamiris trabalha com o desenvolvimento de testes automatizados em uma equipe com pessoas de diferentes lugares do mundo, e é referência de voz feminina ocupando esse espaço. “A falta de uma representatividade na área de Tecnologia até hoje me incomoda e sempre tento buscar caminhos para mudar essa realidade. Muitas vezes, nós não conseguimos identificar situações de assédio, machismo e discriminação dentro do ambiente profissional, e as mulheres que identificam nem sempre conseguem se impor, seja por uma postura pessoal ou por questões hierárquicas. Por isso, é muito importante ficarmos atentas e unidas”, defende.